UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE DIREITO
JORDANIA MARCIA CARVALHO LEAL
THOMAS HOBBES – CAPÍTULOS XIII: “Da
Condição Natural da Humanidade Relativamente à Sua Felicidade e Miséria”;
CAPÍTULO XIV: “Da Primeira e Segunda Leis Naturais, e Dos Contratos; CAPÍTULO
XV: “De Outras Leis De Natureza.
CUIABÁ
2012
1 – INTRODUÇÃO
1.1 – OBJETIVO
O
objetivo desta atividade é fazer uma resenha crítica sobre os três capítulos da
obra: Leviatã, do autor Thomas Hobbes. Devido à importância de seu trabalho, na
contribuição para fundamentar o nascimento do Contrato. Parte de fundamental
interesse do Direito Civil e da sociedade para melhor entender as relações
humanas e comerciais.
Serão
abordados os capítulos XIII, XIV e XV os quais foram escolhidos pela professora
Ma. Karine Krewer, que leciona a disciplina de Filosofia Geral do Direito, no
curso matutino de Direito na Universidade Federal de Mato Grosso, turma esta da
qual faço parte.
Neste
caso a sociedade civil organizada cria o Estado para ser o mediador das
relações, ou seja, dos pactos entre os interessados. O homem é mau por
natureza, por isso, em estado de natureza: a lei é de todos contra todos. Um
caos se estabelece e para que haja liberdade o ser humano cria o Estado e com
ele a justiça e as leis, serão estabelecidas e cumpridas, caso contrário,
entrará o Estado, com as sanções punitivas. Embora o Estado também apresente sanções
premiativas.
1.2 – JUSTIFICATIVA
O
autor foi escolhido por se tratar de um contratualista, seu contexto histórico
está entre os séculos XVI e XVII, Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra, berço do
capitalismo. Parte do princípio de que o homem é mau por natureza, e é
criticado por Rousseau, no século XVIII, que também é contratualista, mas que
partirá do contrário, de que o homem é bom por natureza. Ambos escrevem sobre o
Contrato Social, embora Rousseau ganhará um prêmio por seus escritos, não implica na importância da Tese exposta por
Hobbes no século XVII.
Percebe-se
que o descobrimento da América foi ao século XVI, Hobbes vive essa época de
novos povos, viajantes que trazem notícias sobre os índios, designados como
selvagens, pessoas exóticas, sociedades primitivas são observadas e analisadas
no ponto de vista europeu, e não pelo olhar indígena, ocorre o evolucionismo,
etnocentrismo, a antropologia está em alta, e junto com ela os interesses
econômicos que unem as nações, que no caso será unido pelo mercantilismo,
absolutismo e capitalismo posteriormente, quando bem definido o modo de
produção, este tomará conta dessas sociedades regulando e controlando a vida
das pessoas. O Estado nasce com essa sociedade civil organizada, para ora
libertá-la e ora oprimi-la para o bem do todo, do geral, e segundo Hobbes, com
o nosso consenso, pois esse foi o meio que encontramos para resolver os tempos
de guerra e trazer a paz, para poder sobreviver.
Pesquisar
sobre a obra Leviatã, nos é apresentado uma tripla relevância: social,
científica e pessoal. Social porque como podemos observar Thomas Hobbes se
mostra um cientista social com sua tese sobre o nascimento da sociedade, com
bases jurídicas e políticas, cujos alicerces a mantém durante séculos. Ainda
com caráter jurídico funciona como citações para doutrinas jurídicas,
filosóficas e sociais. Caráter científico, porque o livro foi escrito com
riquezas de detalhes, sistematizado como a ciência que requer autenticidade,
clareza e pesquisa profunda do assunto abordado. E, finalmente pessoal, porque
nos remete a uma leitura intensa, de entrega, para com os escritos do autor, o
que contribuirá para nosso crescimento intelectual individual, dessa maneira
nós alunos podemos concordar, sendo fiéis ao autor, discordar se assim for, mas
neste caso, a leitura ficará mais densa, porque teremos que nos referenciar a
outros autores para tentar criar a máquina de guerra para bombardear as teses,
sabendo que mesmo assim, a obra não deixa de ter seu imensurável valor
intelectual.
2
–
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 – CAPÍTULO XIII: “Da Condição
Natural Da Humanidade Relativamente À Sua Felicidade E Miséria”
Este
capítulo começa pela definição da igualdade entre os homens, sendo natural a
igualdade entre os homens, no que diz respeito ao corpo e ao espírito. Mesmo
que os homens sejam diferentes no corpo, exemplos uns mais fortes e outros mais
fracos, mesmo assim se um quiser matar o outro consegue, porque se não
conseguir fazer sozinho, por ser mais fraco se aliará a um ou alguns para matar
o mais forte, ou ainda se não conseguir, maquinará um meio para adquiri-lo,
dessa forma o autor esclarece o fato de quê os homens são iguais por natureza.
Tanto um como o outro pode matar uns aos outros, então são iguais naturalmente,
independentes da sua forma física.
Quanto
ao espírito, que é a sabedoria e inteligência, que são individuais de cada um,
e que não nascemos com elas, ou seja, estas não são naturais, elas são
adquiridas ao longo do tempo, por outras pessoas que nos ensinam, por nossas
experiências, por nossas dedicações sobre algum conhecimento científico. Sobre
este assunto o autor reflete sobre a questão de que os homens reconhecem que
uns sabem mais e outros menos, que uns são mais sábios que outros, entretanto
isto prova mais uma vez de quê os homens são iguais por natureza e não
diferentes, porque o mais sábio e o menos sábio pensa igualmente sobre o
assunto que há distância entre a sabedoria e de outro. Mas que mesmo assim,
cada um é contente com a sabedoria que lhe couber, tornando-os igual novamente
por natureza. A ciência que é o raciocínio coerente, inteligente, é uma lógica
para poucos. A prudência é fruto da experiência. Assim Thomas Hobbes diz:
“A NATUREZA fez os homens tão iguais quanto
às faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem
manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro,
mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e
outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com
base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal
como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para
matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que
se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo.”
Quanto
às faculdades do espírito (pondo de lado as artes que dependem das palavras, e
especialmente aquela capacidade para proceder de acordo com regras gerais e
infalíveis a que se chama ciência; a qual muito poucos têm, e apenas numas
poucas coisas, pois não é uma faculdade nativa, nascida conosco, e não pode ser
conseguida – como a prudência – ao mesmo tempo que se está procurando alguma
outra coisa), encontro entre os homens uma igualdade ainda maior do que a
igualdade de força. [...]. Pois a natureza dos homens é tal que, embora sejam
capazes de reconhecer em muitos outros maior inteligência, maior eloquência ou
maior saber, dificilmente acreditam que haja muitos tão sábios como eles
próprios; porque veem sua própria sabedoria bem de perto, e a dos outros homens
à distância. Mas isto prova que os homens são iguais quanto a esse ponto, e não
que sejam desiguais. Pois geralmente não há sinal mais claro de uma
distribuição equitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem
contentes com a parte que lhes coube. (HOBBES, LEVIATÃ, 2000, p.107 e 108).
Se
dois homens desejarem a mesma coisa, se tornarão inimigos, para conseguir seus
fins, os homens irão por antecipação fazer de tudo para destruir o outro e
conseguir para si o que desejou, portanto, aqui estão questões que são
abordadas desde antes do nascimento de Cristo, na República de Platão, Sócrates
fala sobre nossas paixões, nossos desejos, nossos luxos que fazem com que o
homem perca os valores de controle social, para satisfazer suas vontades, acima
de qualquer coisa, no livro I, quando Sócrates elogia a velhice, Céfalo falará
no diálogo com Sócrates, da felicidade de Sófocles de ter se livrado dessas
paixões, e do encontro com um caráter equilibrado de boa índole, tornando a
velhice melhor.
No
caso de Thomas Hobbes, o homem não abre mão de suas paixões de seus desejos,
por isso pelo motivo de conservação de sua espécie ou para seu deleite, ele
fará de tudo para conquistar o que convém. Utilizará, portanto sua força, mas
sabe que outro homem poderá por cobiça depois de semear, plantar e construir,
por exemplo, numa terra outro homem pode pela mesma força despossui-lo de seu
território, então trará a questão de que no mundo contemporâneo somos
consumistas e acumulamos riquezas, assim outros desprovidos dessa riqueza
cobiçam nossas mercadorias, é por isso que temos a polícia que representa o
Estado mediador do pacto, do contrato social, do que é meu e do que é seu, e
esta se utiliza da força física e do poder simbólico, o poder da palavra. Dessa
maneira percebe-se que desconfiamos do outro, e por isso por antecipação,
utilizamos a força e o poder, para nos sentirmos seguros. Os homens para
Hobbes, não sentem prazer na companhia de outros homens, na verdade o que
acontece é que suportamos os outros, estar junto cria um enorme desprazer.
Portanto viver em sociedade é suportar o outro, assim a natureza do homem
encontra-se três causas principais de a discórdia: a competição, a desconfiança
e a glória. A competição faz com que os homens ataquem uns aos outros para
obter lucros que serão as vantagens, se sentirem seguros mantendo o poder e a
reputação que é a vaidade.
Portanto,
se os homens não tem um poder único supremo que durante esse tempo os ordenem
que no caso, é o nascimento do Estado como soberano (poder absoluto), os homens
por serem maus por natureza, estão num estado de natureza, direito natural, em
estado de guerra, e assim, na luta de todos contra todos em que o homem é
inimigo do próprio homem.
E
contra esta desconfiança de uns em relação aos outros, nehuma maneira de se
garantir é tão razoável como a antecipação; isto é, pela força ou pela astúcia,
subjugar as pessoas de todos os homens que puder, durante o tempo necessário
para chegar ao momento em que não veja qualquer outro poder suficientemente
grande para ameaçá-lo. [...] Por outro lado, os homens não tiram prazer algum
da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer),
quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. Porque cada um
pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si
própria e, na presença de todos os sinais de desprezo ou de subestimação... De
modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia.
Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro a glória.
A
primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a
segurança; e a terceira, a reputação.
Com
isso se mostra manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um
poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela
condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra
todos os homens. (HOBBES, LEVIATÃ, 2000; p. 108 e 109).
Hobbes
fará uma comparação entre o clima e o tempo no qual o homem guerreia, dizendo
que não é uma guerra real, e sim, disposição para lutar, e pode ser durante
muito tempo, como acontece na natureza quando a chuva é intensa, raios,
trovões, tempestades que assolam as regiões, eram comuns nessa época falar
sobre o clima, pois até mesmo o temperamento das pessoas era analisado
geograficamente, devido ao clima, estudos da antropologia sobre o descobrimento
da América apresentam autores se referindo à cultura de povos conforme a região
que habitava.
Define
então o estado de natureza, que é o tempo de guerra, lugar onde não
conseguiremos produzir, temos medo, não temos segurança, o temor da morte
violenta nos oprime e a vida do homem é solitária, embrutecida e curta. Neste
estado, não há liberdade, não há sociedade, e consequentemente, ainda não
existe a figura do Estado.
Thomas
Hobbes dará uma resposta a Rousseau, que é um contratualista que parte do
princípio de que o homem é bom por natureza. Partindo de fatos reais, dos quais
costumamos fazer, quando viajamos, levamos conosco armas e vamos acompanhados
de outros homens, pois, se ocorrer algo estranho a nós, iremos lutar e
guerrear, para sobrepor ao outro; quando dormimos fechamos as portas, porque
temos medo de outro homem, que possa nos agredir enquanto estamos indefesos,
pegar nossas coisas; trancamos nossos cofres, mesmo estando em casa, muitas
vezes não confiamos nem no homem próximo de nós, como amigos e familiares,
mesmo sabendo que existem soldados armados para nos vingar, agimos dessa
maneira, logo, não somos bons, somos mau por natureza.
Para
que nossas ações sejam ilícitas, é necessária a criação de leis, que proíbem
essas ações, mas antes de tudo é necessário saber e confirmar quem irá criar as
leis, portanto, novamente se pensa no Estado como o poder soberano para
determinar o que pode, ou não ser aceito na sociedade, no nosso caso, o
legislativo criam as leis, através de comissões, debates, discussões com a
sociedade, audiências públicas, embora no Brasil a maioria do povo não tenha
consciência política, mas há representações como sindicatos, grupos políticos
estruturados, ruralistas, empresários, estes influenciam os senadores e
deputados na votação da lei, são chamados por Tercio Sampaio Ferraz Junior de
núcleos significativos, com valores e ideologias que determinam e negociam as
leis com nossos representantes. Há também hoje no Brasil, o STF – Supremo Tribunal
Federal, que vem passando por cima do legislativo, ganhando cada vez mais poder
e modificando a legislação, normatizaram a união estável homoafetiva, o aborto
para bebês anencefálicos, entre outros. No estado de natureza não justiça e não
há lei, não há propriedade e nem domínio, não há sociedade civil organiza. A
força e a fraude são as virtudes humanas, no estado de guerra.
Assim,
o homem percebe que necessita da paz, pois tem medo da morte violenta, e é por
isso, que aceitará se submeter ao estado civil, ao Estado, a sociedade civil
organizada, e através do trabalho conquistará sua propriedade, agora com
segurança mediado pelo poder estatal. Max Weber diria que o homem, então
legitima num sentido de consenso o poder do Estado como mediador das ações
humanas. Karl Marx, falará sobre a extinção do Direito, se caso houvesse
ocorrido à extinção do Estado, visto que estes dois nascem juntos, e se um
acabar o outro também se findaria, dessa maneira expôs que se do modo de
produção capitalista, passássemos para o socialismo e depois para o comunismo,
então não haveria Estado, e consequentemente o Direito seria extinto.
(...).
Os desejos e outras paixões do homem não são em si mesmos um pecado. Nem
tampouco o são as ações que derivam dessas paixões, até o momento em que se
tome conhecimento de uma lei que as proíba; o que será impossível até o momento
em que sejam feitas as leis; e nenhuma lei pode ser feita antes de se ter
determinado qual a pessoa que deverá fazê-la. [...] Desta guerra de todos os
homens contra todos os homens também isto é consequência: que nada pode ser
injusto. As noções de bem de mal, de justiça e injustiça não podem aí ter
lugar. Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça.
Na guerra, a força e a fraude são as duas virtudes cardeais. (...) Outra
consequência da mesma condição é que não há propriedade, nem domínio, nem
distinção entre o meu e o teu; só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz
de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É, pois esta a
miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples
natureza. (...) As paixões que fazem os
homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são
necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do
trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os
homens podem chegar a acordo. (HOBBES, LEVIATÃ, 2000, p.110 e 111).
2.2 - CAPÍTULO XIV: Da Primeira E
Segunda Leis Naturais, E Dos Contratos
Começará
o capítulo definindo Direito natural, o Jusnaturalismo, que Hobbes definirá
como o homem que tem a liberdade de usar o seu próprio poder, da maneira que
quiser, sem pudores, conforme seu julgamento e razão, o homem é soberano e pode
fazer o que quiser. A essa liberdade ele dirá que não existe nenhum impedimento
externo que limite este homem.
A primeira lei natural é procurar a paz e
seguir a paz, é também nos defendermos por todos os meios que pudermos. A
segunda lei natural é que definirá o Contrato Social, o pacto, o contrato nasce
da renúncia do direito natural, para sairmos do estado de guerra, renunciamos
nosso direito natural de defesa e assumimos um pacto com o outro homem, que nos
levará a paz, neste momento, nasce a sociedade civil e difere o meu do seu,
nasce a propriedade. O contrato apresenta-se de maneira a transferir algum
benefício à outra pessoa, ou outras pessoas, o que lhe cabe, agora com justiça,
lei definida e mediadores, os juízes, representantes do Estado. O homem dará
sua palavra ou através de ações, se comprometerá, com a outra parte, a partir
do momento em que fixa essa obrigação, deverá ser respeitada e cumprida, caso
contrário, recorrerá à parte desfavorecida no poder de polícia, ou no poder de
justiça, para que se cumpra o contrato. Não podemos renunciar nossa própria
vida, assim nasce à defesa pessoal, no qual temos o direito de em legítima
defesa, para nos protegermos, até matar outro caso nos ataque, sem motivo
algum, o que ocorre, por exemplo, quando estamos em nossa residência e adentra
um ladrão, ou qualquer pessoa e nos ataque, se o ferirmos ou se chegar a morte,
não ficará preso, porque matamos por legítima defesa. Entretanto, como não
queremos que isso ocorra mesmo em liberdade, ocorrem casos em que a pessoa se
martiriza, devido a questões psicológicas, valores morais, éticos, área da
psicologia e psiquiatria, para ajudar na compreensão e conformação do fato,
para retirada de qualquer problema psicológico, caso que o Direito não tem como
resolver, porque é pessoal e individual, da subjetividade de cada pessoa. Na
doação não há contrato, porque acontece unilateralmente, para que seja contrato
ambas as partes entram em jogo, o qual Hobbes chamará de pacto ou convenção, e
acontecerá principalmente no comércio para mediar as relações comerciais, na
troca de bens e serviços.
O
Direito de natureza, a que os autores geralmente, chamam jus naturale, é a
liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder da maneira que
quiser, para preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e
consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe
indiquem como meios adequados a esse fim.
Por
liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência de
impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que
cada um tem de fazer o que quer, mas não pode obstar a que use o poder que lhe
resta, conforme o que seu julgamento e razão lhe ditarem.
(...)
Porque embora os que têm tratado deste assunto costumem confundir jus e Lex, o
direito e a lei, é necessário distingui-los um do outro. Pois o direito
consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou
obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distinguem
tanto como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se
referem à mesma matéria.
[...]
A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental de natureza,
isto é, procurar a paz, e segui-la. A segunda encerra a suma do direito de
natureza, isto é, por todos os meios que pudermos defendermo-nos a nós mesmos.
Desta
lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os homens que
procurem a paz, deriva esta segunda lei: Que um homem concorde, quando outros também
o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa
de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em
relação aos outros homens, com a mesma liberdade que os outros homens permitem
em relação a si mesmo. Porque enquanto cada homem detiver seu direito de fazer
tudo quanto queira todos os homens se encontrarão numa condição de guerra.
[...]
A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama contrato. (...) Neste
caso, da sua parte o contrato se chama pacto ou convenção. Ambas as partes
podem também contratar agora para cumprir mais tarde, e nesse caso, dado que se
confia naquele que deverá cumprir sua parte, sua ação se chama observância da
promessa, ou fé; e a falta de cumprimento (se for voluntária) chama-se violação
da fé. (HOBBES, LEVIATÃ, 2000, p.113-116).
O
poder coercitivo é necessário, porque se uma das partes não cumprir com o
pacto, terá que ser recorrido a justiça e ao poder de polícia, ou seja, ao
Estado exigir que se cumpra o que foi prometido e assinado. A promessa de algo
impossível não é pacto, ou seja, não entra no contrato. Um homem pode ficar
liberado de um contrato se cumpri-lo ou ser liberado de cumprir.
2.3 – CAPÍTULO XV: De Outras Leis de
Natureza
Neste
capítulo, Thomas Hobbes irá expor várias leis, começa com a lei pela qual os
homens devem cumprir o contrato firmado entre as partes. Porque se não for
assim então os pactos seriam vãos, palavras vazias e retornaríamos a condição
de guerra. E é nesta lei que está à origem da justiça, pois no estado de guerra
não existia nem justo e muito menos injusto, com a lei, com o pacto rompe-se
com o injusto e cria-se a justiça, que nada mais é que obedecer a lei.
(...)
Que os homens cumpram os pactos que celebrarem. Sem esta lei os pactos seriam
vãos, e não passariam de palavras vazias; como o direito de todos os homens a
todas as coisas continuaria em vigor, permaneceríamos na condição de guerra.
Nesta
lei de natureza reside a fonte e origem da justiça. (...) Mas, depois de
celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição da injustiça não é outra
senão o não cumprimento de um pacto. E tudo o que não é injusto é justo.
(HOBBES, LEVIATÃ, 2000, p. 123).
O
poder de polícia e a punição são novamente citados, para que se tenha certeza
de que o contrato será cumprido, este poder quem estabelecerá é o Estado, o
nascimento da sociedade civil marca nossa ideia sobre a propriedade, esses três
elementos constituídos: Estado, Propriedade e Sociedade civil organizada irão
propagar a paz, exigindo o cumprimento das leis e acabando com o estado de
natureza.
(...)
é necessária alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os
homens ao cumprimento de seus pactos, mediante o terror de algum castigo que
seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de
fortalecer aquela propriedade que os homens adquirem por contrato mútuo, como
recompensa do direito universal a que renunciaram. E não pode haver tal poder
antes de erigir-se um Estado. O mesmo pode deduzir-se também da definição comum
de justiça nas Escolas, pois nelas se diz que a justiça é a vontade constante
de dar a cada um o que é seu. Portanto, onde não há o seu, isto é, não há
propriedade, não pode haver injustiça. E onde não foi estabelecido um poder
coercitivo, isto é, onde não há Estado, não há propriedade, pois todos os
homens têm direito a todas as coisas. (HOBBES, LEVIATÃ, 2000, p.123 e 124).
Thomas
Hobbes definirá justiça como o cumprimento dos pactos e é fato que está
recheada de razão, nos proíbe de destruir nossa vida, e consequentemente, é uma
lei da natureza, este é um autor naturalista, por isso todas suas teses estão
fundamentadas na natureza, nascemos com elas, é natural no homem ser assim.
(...)
Portanto, a justiça, isto é, o cumprimento dos pactos, é uma regra da razão,
pela qual somos proibidos de fazer todas as coisas que destroem a nossa vida, e,
por conseguinte é uma lei da natureza. (HOBBES, LEVIATÃ, 2000, p. 125).
O
homem honrado é aquele que se preocupa com suas ações, tem o cuidado de agir
justamente, já o homem iníquo não tem esses cuidados e comete injustiças. A
justiça é uma virtude e a injustiça, é vício. A injúria é quando caluniamos uma
pessoa ou difamamos. Ocorre também de
uma pessoa ser chamada de injusta, se, por exemplo, ser representado por outra
pessoa e esta não cumprir com o pacto, assim se caso acontece, o dano recairá
sobre o qual não havia obrigação, ou seja, a pessoa que não faz parte do
contrato, e que foi apenas receber de quem tinha entregar e não o fez, sendo
esta pessoa injuriada ou difamada, ela pode recorrer por ter sofrido esta
injustiça, pois foi denigrida sua honra.
Definirá
justiça comutativa e justiça distributiva, na comutativa é dar o que é de cada
um o que é seu, lembrando que trata-se de homens iguais; a distributiva é dar a
cada um o que cada um merece, por se tratar de homens em condições diferentes,
está ligado a equidade (que será uma outra lei). Tercio Sampaio Ferraz Junior
falará sobre direito e justiça, o direito está separado da justiça, o direito não
consegue medir suas ações como um direito totalmente justo, a justiça está fora
do direito, e portanto distante consegue olhar para o direito e dizer se está
ou não sendo justo, em sua obra define
justiça comutativa em dividir as coisas entre pessoas iguais; e justiça
distributiva dividir as coisas entre pessoas diferentes. É a justiça formal que
se divide em código forte (justiça comutativa), a igualdade; e código fraco, a
justiça material (justiça distributiva), a equidade.
[...]
Para falar com propriedade, a justiça comutativa é a justiça de um contratante,
ou seja, o cumprimento dos pactos, na compra e na venda, no aluguel ou sua
aceitação, ao emprestar ou tomar emprestado, na troca, na permuta e outros atos
de contrato.
A
justiça distributiva é a justiça de um árbitro, isto é, o ato de definir o que
é justo. Pelo qual (merecendo a confiança dos que o escolheram como árbitro),
se ele corresponder a essa confiança, se diz que distribui a cada um o que lhe
era devido. Com efeito, esta é uma distribuição justa, e pode ser chamada
(embora impropriamente) justiça distributiva. Mais próprio seria chamar-lhe
equidade, a qual é também uma lei de natureza, conforme se mostrará no lugar
oportuno. (HOBBES, LEVIATÃ, 2000, p. 127).
A
gratidão é a quarta lei, o desrespeito a essa lei é a ingratidão. A quinta lei
é a complacência, que é a benevolência, a tolerância com o outro, é ser
sociável, contrário a esta lei será insociável, intratável. A sexta lei da
natureza é o perdão a quem se arrependeu do que fez para garantia da paz. A
sétima lei é a vingança, mas não é para retribuir o mal com o mal e sim um bem
futuro, caso contrário, será crueldade.
[...]
Tal como a justiça depende de um pacto antecedente, assim também a gratidão
depende de uma graça antecedente, quer dizer, de uma dádiva antecedente. É esta
a quarta lei de natureza, que pode ser assim formulada: Que quem recebeu
benefício de outro homem, por simples graça, se esforce para que o doador não venha
a ter motivo razoável para arrepender-se de sua boa vontade. (...) O
desrespeito a esta lei chama-se ingratidão, e tem com a graça a mesma relação que há entre a injustiça e a
obrigação por contrato.
A
quinta lei de natureza é a complacência, quer dizer: Que cada um se esforce por
acomodar-se com os outros. (...) Aos que respeitam esta lei pode chamar-se sociáveis (os latinos
chamavam-lhes commodi), e aos que não o fazem obstinados, insociáveis, refratários
ou intratáveis.
A
sexta lei de natureza é Que como garantia do tempo futuro se perdoem as ofensas
passadas, àqueles que se arrependeram e o desejem. Porque o perdão não é mais
do que uma garantia de paz, a qual, embora quando dada aos que perseveram em
sua hostilidade não seja paz, mas medo, quando recusada aos que oferecem
garantia do tempo futuro é sinal de aversão pela paz, o que é contrário à lei
de natureza.
A
sétima lei é Que na vingança (isto é, a retribuição do mal com o mal) os homens
não olhem à importância do mal passado, mas só à importância do bem futuro. (HOBBES,
LEVIATÃ, 2000, p.127 e 128).
A
oitava lei da natureza será o desprezo e seu desrespeito contumélia.
Thomas Hobbes fará crítica ao pensamento
aristotélico, onde Aristóteles na obra A Política, diferencia a cidade composta
pelo senhor e escravo, utilizando a inteligência e o corpo físico, para
explicar sobre os homens que nasceram para mandar e os que nascem para
obedecer. Para Hobbes essa ideia é contra a razão e contra a experiência. No
capítulo XIII, ele responde sobre o fato de que os homens são iguais por
natureza e que apesar de saber que através da educação uns sabem mais que os
outros, ainda assim sabem que são iguais, porque reconhecem essa diferença e
estão satisfeitos com a parte que lhe couber, mas que no estado natural, ou
seja, de guerra, não há diferença, neste caso agirão igualmente. Para Hobbes
todos os homens preferem governar a serem governados.
Na
nona lei é sabido que todos os homens são iguais por natureza, o que não
acredita ser assim estará desrespeitando a nona lei, e, por conseguinte, é
orgulhoso.
A
décima lei dirá que como somos iguais, o que é reservado para si também o será
para o outro, assim quem a respeita é modesto, e desrespeitá-la é ser
arrogante.
A
décima primeira lei tem a ver com a equidade, que geralmente apresentará um
árbitro (juiz – autoridade estatal), que terá o trabalho de fazer justiça, na
entrega da justiça distributiva. Sua violação será acepção de pessoas,
prosopolepsía.
A
décima segunda lei se refere às coisas que não podem ser divididas como a água,
por exemplo, terá que ser um bem distribuído em comum para toda sociedade. E
será justiça distributiva e terá que ter um árbitro quando não tem como dividir
os bens em comum, para toda sociedade, então poderá ser por sorteio, para que
haja equidade na distribuição. Há duas espécies de sorteio: arbitrário e
natural.
A
décima terceira lei é sobre os mediadores, diplomatas, os representantes do
Estado, seu salvo-conduto.
A
décima quarta lei é se o caso exigir for submetido ao julgamento de um árbitro.
Neste caso o árbitro terá autoridade de decidibilidade.
Estas
são as leis da natureza, todos devem obedecê-las, para que a sociedade tenha
paz, elas são leis verdadeiras, justas, é a ciência da filosofia moral, porque
esta ciência, segundo o autor não é mais do que a ciência do que é bom e mau na
conservação e na sociedade humana.
3 – CONCLUSÕES
Através desta leitura concluímos que o
autor Thomas Hobbes, parte do princípio de que o homem é mau por natureza, e
por isso, vivemos em constante estado de natureza, ou seja, num estado de
guerra, de todos os homens contra todos os homens. Sofrendo com essas relações
o temor, o pavor, o pânico, com o passar dos tempos resolvemos em nome da paz,
criar o Estado, a sociedade civil organizada, trará a ideia, o pensamento de
propriedade, daquilo que é meu e daquilo que é seu, tanto é, que no mundo
contemporâneo, esta ideia é tão fixa na mente de todos, que se, por exemplo,
alguém esquecer um caderno, ou um livro numa classe ou no escritório, iremos
nos perguntar de quem é se tiver com nome saberemos de quem seja, assim havendo
mais de uma pessoa, mesmo que um querer tomar para si, terá o olhar como diz
Michael Foucault, em vigiar e punir, o olhar fixo, direto, moralista, de que
podem estar furtando o que não é de sua propriedade, todos agem assim, dessa
maneira percebe-se um clássico, por fala sobre atitudes reais humanas, que
atravessou séculos, e, portanto é atemporal. Revelam-nos nossos instintos,
nosso etnocentrismo, nossas paixões, nossos desejos e principalmente a
veracidade com que lutamos para conseguir o que queremos, passando por cima de
tudo, é muito real e verdadeiro, bem mais que moralista, claro e conciso. A
tolerância é algo inevitável para viver em sociedade, acredito que não
aceitamos as diferenças, e por isso, essa palavra chave de Hobbes é sinônimo de
cientista social, no qual fica claro que suportamos a diferença e não aceitamos
que são conceitos diferentes. É bem interessante como criamos um mediador, que
é o Estado, que não é ser humano, mas que é representado pelo ser humano, e,
por conseguinte carregado de valores, credo, moral e ética. A posição do juiz,
do legislativo, o poder da palavra, o relato das leis com suas mensagens, e o
mais importante o cometimento, que é a relação metacomplementar entre a
autoridade e o sujeito, pensamos ao mesmo tempo em que criamos a lei, estamos
submetidos a ela, por isso, não devemos ser cruel, pois o objetivo é o bem
futuro e não o mal absoluto, o perdão a quem nos faz o mal, a religiosidade, a
moderação na vingança, é tão humano, é relação, é social, do mal para o bem
estar de todos, para a coesão social. O ostracismo é o desprezo, banir alguém
de sua sociedade, muito grave e perverso, tem que pensar bem antes de tomar
essa decisão.
Ao
juiz a decidibilidade, nas mãos de uma pessoa, a vida inteira do outro, como
aprender a ser justo e correto. O direito nem sempre é justo, às vezes, é ilegítimo,
ilícito e injusto. O Direito é uma técnica, segundo Tercio Ferraz Junior, a justiça
está fora do Direito e deve medir, discutir e debater sobre esse direito, então
aqui entra a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, a Estatística para servir
de mediadora para as decisões jurídicas, para que não haja uma guerra civil e
voltemos novamente ao estado de natureza de Hobbes.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOBBES, Thomas.
Leviatã. Thomas Hobbes. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo. Editora Nova Cultural
Ltda. 2000. São Paulo-SP
Simplesmente maravilhoso! adorei tamanha clareza! muito bom!!!
ResponderExcluirMuito bom mesmo. Me ajudou imenso.
ResponderExcluirFANTASTICA SUA RESENH
ResponderExcluirMe ajudou bastante. Muito bom essa resenha..
ResponderExcluirHobbes sempre presente e atual, com a devidas proporções, claro !
ResponderExcluirO Estado como o monstro Leviatã torna-se necessário em uma sociedade sem lei. Compreender o contexto histórico da construção da obra é primordial. Parabéns pela resenha.
ResponderExcluirAtnonio J J Júnior, Historiador